O diretor italiano debate sua mais polêmica realização.
Estive terça à noite na Cinemateca e pude acompanhar o encontro do diretor italiano Ruggero Deodato com seus fãs brasileiros. Este encontro, patrocinado pelo Festival de Cinema Fantástico Brasileiro (Cine Fantasy), aconteceu logo após a exibição do seu filme mais cultuado, Cannibal Holocaust (1979). O Deodato Day, como foi chamado o evento de ontem, exibiu antes, dois outros filmes do diretor. Na mesa para a discussão estava também Luis Carlos Merten, conhecido crítico brasileiro de cinema do jornal O Estado de São Paulo.
Este filme, Cannibal Holocaust, é considerado, pelos apaixonados pelo gênero terror, incluindo cineastas como Tarantino e Robert Rodriguez, uma obra-prima influente do cinema exploitation (basicamente, filmes B com sensacionalismo). Acompanhar e tentar entender a visão do diretor, junto ao crítico de cinema, sobre este filme, que chegou a ser banido em diversos países na época de lançamento e atingiu o status de cult, foi realmente interessante.
Só para nos situarmos um pouco na história do filme, 4 documentaristas resolvem realizar um documentário sobre algumas tribos canibais e vão para a Amazônia, porém não voltam mais. Um professor antropologista da Universidade de Nova York monta uma expedição para procurá-los, mas encontra apenas suas câmeras e seus filmes. Ao retornar, assiste suas filmagens para realizar uma matéria sobre o contato deles com as tribos indígenas. Porém, o conteúdo não mostra apenas este contato e sim, o sensacionalismo que eles queriam criar. Cenas fortes e indigestas pela frente!
A partir da metade, o filme se torna um filme-documentário ao estilo Bruxa de Blair... O próprio Deodato fala um pouco no debate sobre a relação de seu filme com este outro. Com baixíssimo orçamento, roteiro fraco e atores iniciantes, Cannibal Holocaust impressiona mesmo pelo realismo das cenas que, após seu lançamento, o diretor chegou a ser questionado se realmente os atores estavam vivos! Um ponto alto da produção é a trilha sonora também comentada no debate.
Abaixo estão 3 assuntos abordados na mesa que considerei mais interessantes:
Quando o filme atingiu o status de cult?
Segundo Deodato, após o estrondoso sucesso da Bruxa de Blair, foi declarada sua influência pelo Cannibal Holocaust, o primeiro a realmente explorar o documentário fake. A partir daí, Deodato disse que foi chamado para participar em diversos festivais de cinema e, sua legião de fãs, não parou de crescer. Estas participações em festivais, inclusive, geraram discussões engraçadas entre ele e George Romero.
Por quê o contraste da trilha sonora calma com cenas fortes?
O responsável pela trilha sonora é o compositor italiano Riz Ortolani, nomeado ao Oscar por outras realizações. Deodato inicia e termina o filme com uma composição melódica e, de certa forma, romântica do compositor. Comentou que detesta a maioria dos filmes de ação com trilhas que acompanham o ritmo de uma perseguição de carro, exemplo dado por ele. Diz que isso tira o brilho da cena e acredita que o contraste da música melódica com uma cena forte pode gerar uma reação diferente e inesperada ao espectador.
Qual a ideia da mensagem final do filme "não sabemos quem são os verdadeiros canibais"?
Deodato diz que a exploração do "branco" em relação às culturas primitivas é uma discussão ainda sem fim, mas na época era pior ainda. O crescimento urbano acelerado oprimia àqueles que não se encaixavam neste estilo urbano (Deodato menciona mais especificamente índios e africanos). As cenas violentas entre os documentaristas e os índios canibais é uma tentativa de alertar sobre o respeito necessário entre as diferentes culturas existentes, primitivas ou não.
Apenas para concluir, não sou fã do filme e nem do diretor, mas respeito o que o filme traz de mensagem, mesmo com um realismo exagerado, e me impressiona o número de pessoas que o cultuam no Brasil e no mundo!
Fica registrado também que Deodato é engraçado e bem gente boa!